AFP – Os líderes da extinta guerrilha Farc admitiram sua culpa, pela primeira vez, diante das vítimas de mais de 21 mil sequestros pelos quais foram imputados, durante uma audiência nesta terça-feira (21) ante o tribunal que julga os piores crimes do conflito colombiano.
Sentado diante de várias vítimas de sequestro e de seus familiares em um auditório em Bogotá, o último comandante da antiga guerrilha deu início ao reconhecimento.
Em nome dos 13.000 combatentes que depuseram suas armas, Rodrigo Londoño, conhecido como ‘Timochenko‘ durante o conflito, aceitou a “responsabilidade individual e coletiva frente a um dos crimes mais abomináveis cometidos” pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Surgida do acordo de paz com a então guerrilha em 2016 em Havana, a Jurisdição Especial para a Paz (JEP) imputou em 2021 os ex-integrantes do alto escalão da guerrilha por crimes de lesa-humanidade relacionados com os milhares de sequestros e outros delitos, como a tortura, cometidos entre 1990 e 2016.
Os ex-comandantes guerrilheiros Pablo Catatumbo, Pastor Alape, Milton Toncel e Julián Gallo também pediram perdão durante as audiências de três dias.
Jaime Parra, conhecido como “o médico” das Farc, e Rodrigo Granda, “o chanceler”, poderão reconhecer sua responsabilidade até a próxima quinta-feira, quando terminam as audiências.
A JEP determinou que as Farc implementaram uma “política nacional para sequestrar civis” a partir dos anos 1980.
‘Timochenko’ admitiu que os delitos foram “fruto de uma política que desembocou em crimes de lesa-humanidade e crimes de guerra”, em meio aos protestos das vítimas que denunciam falta de verdade.
As vítimas terão 15 dias para fazer suas observações e a JEP prevê que, em três meses, seus magistrados vão estabelecer as sanções.
Segundo o acordado em Havana, os ex-guerrilheiros devem oferecer reparação às vítimas e dizer a verdade para evitar a prisão.
‘Onde estão?’
Políticos e militares que foram raptados pelas Farc durante o conflito prolongado ouviram as confissões e fizeram objeções pelo que consideram uma “dívida para contribuir com a verdade” por parte dos perpetradores.
Óscar Tulio Lizcano, sequestrado em 2000, quando era um congressista conservador, exigiu a seus “carcereiros” que esclarecessem o paradeiro dos sequestrados desaparecidos.
“Que nos digam a verdade. Nós perdoamos, mas isso não quer dizer que abrimos mão da justiça, queremos a verdade”, reivindicou o ex-parlamentar de 75 anos, que conseguiu escapar de seus captores em 2008.
Uma exposição de fotografias dos desaparecidos com a hashtag “#DóndeEstán?” (“Onde estão?”, em tradução do espanhol) e cartas dirigidas ao comando da guerrilha recebia os que compareciam ao evento público.
A magistrada Julieta Lemaitre, que presidiu a sessão, disse que os sequestros “foram resultado de uma política adotada pelo secretariado [cúpula] das FARC-EP” e “cometidos de maneira direta por seus subordinados”.
A JEP, segundo Lemaitre, identificou três modalidades de sequestros: detenção de “civis que transitavam por áreas” de domínio rebelde, sequestros “para cobrar pagamento de resgate” e para realizar trocas por rebeldes presos.
No meio da audiência, a colombiano-francesa Íngrid Betancourt encarou Toncel para exigir que ele não omitisse detalhes sobre os outros que teriam participado de seu sequestro de seis anos quando fazia sua campanha para a presidência em 2002.
– ‘Doloroso‘ – O primeiro ato deste tipo que a JEP realiza com os ex-combatentes ocorre dois dias depois da eleição presidencial que resultou na vitória do esquerdista Gustavo Petro, um senador e ex-guerrilheiro do grupo nacionalista M-19, que firmou um acordo de paz há 30 anos para fazer política e defende o acordo que desarmou as Farc.
Em 7 de agosto, Petro tomará posse diante de um Congresso integrado por Pablo Catatumbo e outros nove ex-guerrilheiros que, graças ao acordo de paz, têm uma cadeira garantida no parlamento até 2026.
Na audiência de hoje, Catatumbo expressou sua “dor” pelos sequestros: “Nunca imaginei o quão incrivelmente difícil, o quão terrivelmente doloroso seria sentar diante de vocês e ouvir todo o dano que lhes causamos.”
Em maio, cerca de 20 militares reformados, incluindo um general, reconheceram sua participação nos assassinatos de mais de 100 civis para fazê-los se passar por guerrilheiros caídos em combate na fronteira com a Venezuela.
O tribunal estima que pelo menos 6.400 pessoas foram vítimas dessa prática, conhecida como os ‘falsos positivos’, que, junto com os sequestros, martirizaram a Colômbia no conflito de mais de seis décadas.