EUA

Futuro da pílula abortiva nos Estados Unidos em jogo em corte no Texas

AFP – O futuro de uma pílula utilizada por meio milhão de americanas por ano para interromper suas gestações está em jogo nesta quarta-feira (15) no Texas (sul), diante de um juiz ultraconservador, a quem opositores ao aborto pedem que sua autorização seja suspensa em todo o país.

A audiência, cuja realização esteve em segredo até segunda-feira para evitar possíveis vazamentos, começou às 9h locais (11 h no horário de Brasília) em um tribunal da cidade de Amarillo, com acesso limitado ao público.

Matthew Kacsmaryk, que foi advogado de uma organização cristã antes de ser nomeado juiz federal pelo então presidente republicano Donald Trump, deu início à audiência na qual ouvirá os argumentos das partes.

Mais tarde, ele emitirá sua decisão sobre o caso, que ameaça ter um impacto social tão retumbante quanto a decisão da Suprema Corte que implodiu, em junho passado, o direito ao aborto.

Desde então, 15 estados conservadores proibiram qualquer modalidade de aborto em seu território, e outros, como a Flórida, estão em processo de restringir severamente a prática.

Para Alexis McGill Johnson, presidente da associação de planejamento familiar Planned Parenthood, “o caso Amarillo é um alerta para todos aqueles que pensavam que não os afetava”, porque vivem em estados que protegem o direito ao aborto. A decisão do juiz Kacsmaryk pode ser estendida a todo o país.

Não está claro quando Kacsmaryk tomará sua decisão, mas se decidir a favor dos demandantes, espera-se que o governo americano apele.

“Estamos claramente muito preocupados, como toda a comunidade médica deveria estar. Seria uma primeira vez muito perigosa”, acrescentou Johnson, em um comunicado.

Do lado de fora do tribunal, manifestantes chegaram com cartazes que exibiam frases como “não é seu útero, não é sua a decisão” e “defendemos o aborto com medicamentos”.

Entre eles estava Lindsay London, uma enfermeira de 41 anos, que lamentou uma medida “100% ideológica, que não tem base científica”.

– ‘Política antes da ciência’ –

Em novembro, uma coalizão de médicos e de grupos antiaborto entrou com uma ação contra a agência responsável pelo setor de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) por ter autorizado, há 23 anos, a mifepristona (RU 486). Esta é uma das duas pílulas utilizadas para a interrupção médica da gravidez.

Os demandantes acusam a FDA de ter escolhido “a política no lugar da ciência”, ao aprovar um produto químico que pode criar complicações, e de ter “excedido suas competências”.

Solicitaram que, enquanto se examinam os argumentos substantivos, a autorização da mifepristona seja suspendida em todo o território.

Estrategicamente, levaram seu recurso para Amarillo, uma cidade do Texas distante dos grandes centros urbanos, onde Kacsmaryk é o único juiz federal.

A própria FDA pediu ao juiz que rejeitasse a demanda impulsionada pela Aliança Defensora da Liberdade, um grupo conservador cristão. “O interesse público será dramaticamente prejudicado se for efetivamente retirado do mercado um remédio seguro e eficaz que esteve legalmente à venda por 22 anos”, alegou.

Seu perfil e sua suposta oposição ao aborto levantaram preocupações nas fileiras dos defensores do direito ao aborto.

“Parece incrível que um simples juiz do Texas possa tomar uma decisão que afetaria um produto que foi aprovado pelas autoridades de saúde e é comercializado de forma segura há mais de 20 anos”, disse à AFP Elisa Wells, cofundadora da Plan C, uma rede de informação sobre pílulas abortivas.

– Mais da metade dos abortos médicos –

Uma decisão dessas seria “devastadora para as mulheres”, denunciou a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, há dez dias.

Desde o ano 2000, mais de 5,6 milhões de mulheres usaram essa pílula nos Estados Unidos e pouco menos de 1.500 tiveram complicações subsequentes.

Hoje, a maioria (53%) das interrupções de gravidez no país são à base de medicamentos, um procedimento menos invasivo e custoso do que os abortos cirúrgico.

A decisão do juiz Kacsmaryk pode ser alvo de recurso na Corte Federal de Apelações de Nova Orleans, também conhecida por seu conservadorismo. O caso pode, ainda, voltar para a Suprema Corte, que, desde sua remodelação por Trump, tem seis juízes conservadores do total de nove membros na Casa.

E, se a Justiça suspender a autorização da FDA, provavelmente levará vários meses até que sua decisão seja implementada. Segundo especialistas, a agência reguladora de medicamentos deve seguir um procedimento antes de retirar a autorização de um produto.

As mulheres e os médicos também podem recorrer a uma segunda pílula, o misoprostol, cujo uso hoje é combinado com o mifepristona para aumentar a eficácia e reduzir a dor.

“De qualquer forma, acho que será caótico quando o juiz tomar sua decisão”, antecipa Elisa Wells.

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