BBC – Armados com fuzis, vestidos com uniformes verde-oliva e com o rosto coberto, 20 crianças de uma comunidade mexicana no Estado de Guerrero foram apresentadas como novos membros da polícia autônoma local.
Numa reunião na cidade de Ayahualtempa, os líderes locais afirmaram que os 15 meninos e 5 meninas — entre 11 e 15 anos — assumirão funções de vigilância como parte dos esforços para enfrentar os grupos criminosos que aterrorizaram a população nas últimas semanas. O último ataque, relataram, foi contra uma família no dia 19 de janeiro.
Os líderes comunitários indicaram que foram sequestrados por membros da gangue Ardillos Cecilia Gaspar Hernández, o marido, José Teodoro Domingo, e seus filhos, Gaudêncio e Teodoro Gaspar.
“Temos consciência de que existem comunidades que são controladas por eles [os Ardillos], mas não provocamos ninguém. Eles nos provocam. Por isso pedimos às autoridades municipais, estaduais e federais que nos apoiem com agentes de segurança”, disse Luis Morales Rojas, membro do governo autônomo de Ayahualtempa e membro da polícia comunitária.
Embora Morales Rojas tenha declarado que a formação de menores “é legal”, o governo de Guerrero afirmou que a lei estadual, que reconhece o governo dos povos indígenas e sua autogestão, incluindo o aspecto de segurança, não prevê a integração de crianças em grupos de autodefesa.
“Vamos apresentar as denúncias correspondentes porque ninguém pode violar os direitos das crianças. Armar as crianças não é uma estratégia adequada”, disse Ludwig Marcial Reynoso, secretário de governo do Estado.
Porém, episódios como esse não são novidade na região.
Em 2020, várias crianças também foram apresentadas como parte de uma polícia comunitária na cidade vizinha de Alcozacán “como medida de pressão sobre as autoridades face à violência existente”, explica o jornalista Arturo de Dios Palma à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
O que está acontecendo na região?
As comunidades destas cidades da região de La Montaña, em Guerrero, sofreram anos de violência de grupos criminosos — que se agravaram desde 2021.
Primeiro, foi o grupo criminoso Los Rojos (suposto participante do caso dos estudantes desaparecidos de Ayotzinapa, no mesmo Estado) que exerceu o controle da região, que é centro de produção e tráfico de drogas como papoula (que dá origem à heroína) e maconha.
“Quase todas as comunidades unidas diante do constante assédio do crime, de todo o catálogo de violência: assassinatos, desaparecimentos, ataques etc”, explica Palma.
No entanto, a polícia comunitária regional fragmentou-se e em Ayahualtempa criou o seu próprio grupo de autodefesa.
O desfile de crianças armadas em 2020 provocou reações em nível nacional e internacional, mas as autoridades negociaram com os moradores o seu desmantelamento.
Porém, em Ayahualtempa a medida voltou a ser adotada, sob a justificativa do aumento da violência e da desatenção das autoridades.
“Além disso, há toda a marginalização que essas pessoas viveram historicamente. São indígenas Nahua que em Guerrero vivem numa pobreza muito grande, sem estradas, sem professores, sem médicos”, explica Palma. “As autoridades não responderam às demandas com uma operação para localizar a esta família. Então isso é feito para buscar uma reação”, afirma o jornalista.
O porte de armas calibre .22 é legal, pois é protegido pela lei conhecida como 701, que garante os direitos e a autonomia dos povos indígenas. No entanto, isto não prevê a criação de equipes compostas por menores.
Numa reunião comunitária, em que Palma participou, os dirigentes afirmaram que as crianças apenas farão trabalho de vigilância.
“Eles próprios disseram que estas crianças não vão ficar encarregadas [da segurança], mas sim de vigilância dentro da comunidade. Os adultos estão no comando”, disse o jornalista.
Contudo, no passado alguns menores encararam esta integração em grupos de autodefesa como um dever com a segurança de todos na comunidade até às últimas consequências.
“Se há um inimigo que já matou um dos nossos companheiros, então não tem jeito, tenho que encará-lo de frente”, disse um menino de Alcozacán, identificado como Luis Gustavo, à rede Imagen Noticias três anos atrás.
Em 2022, o governo negociou a desmobilização de menores daquela cidade.
Promessa de segurança
Após a apresentação das crianças armadas em Ayahualtempa, os funcionários do governo de Guerrero deslocaram-se para Alcozacán, onde realizaram uma reunião conjunta das duas comunidades.
Além de garantirem a realização de uma operação de busca da família Domingo Gaspar, as autoridades afirmaram que contarão com a presença de militares e membros da Guarda Nacional e da polícia estadual para evitar a violência.
“Desde o primeiro momento que tomamos conhecimento dos desaparecidos, começaram as buscas”, disse o secretário de governo.
O governo do Estado está sob críticas após um aumento de 24% nos homicídios entre 2022 e 2023, segundo dados oficiais divulgados neste mês.
Além disso, cidades importantes como Acapulco e Taxco sofreram greves de transportadores devido à violência desde o início do ano.
A governadora Evelyn Salgado optou por substituir o chefe da segurança do Estado por um militar, o general Rolando Solano Rivera, na tentativa de resolver a situação.
Mas enquanto a nova estratégia entra em ação, na semana passada os menores armados ainda estavam em formação na delegacia municipal de Ayahualtempa.